Origem das Festas Juninas
Origem das Festas Juninas
O
calendário das festas católicas
é marcado por diversas comemorações de dias de santos. Seu ciclo mais
importante se inicia com o nascimento de
Jesus Cristo e se encerra com sua paixão e
morte. Na tradição brasileira, as maiores
festas são Natal, Páscoa e São João. As
comemorações de cunho religioso foram
apropriadas de tal forma pelo povo
brasileiro que ele transformou o Carnaval
— ritual de folia que marca o início da
Quaresma, período que vai da quarta-feira
de Cinzas ao domingo de Páscoa — em
uma das maiores expressões festivas do
Brasil no decorrer do século XX.
Do mesmo modo, as comemorações
de São João (24 de junho) fazem parte de
um ciclo festivo que passou a ser conhecido
como festas juninas e homenageia, além
desse, outros santos reverenciados em
junho: Santo Antônio (dia 13) e São Pedro e
São Paulo (dia 29).
Se pesquisarmos a origem dessas
festividades, perceberemos que elas
remontam a um tempo muito antigo, anterior ao surgimento da era cristã. De acordo
com o livro O ramo de ouro, de sir James
George Frazer, o mês de junho, tempo do
solstício de verão (no dia 21 ou 22 de junho
o Sol, ao meio-dia, atinge seu ponto mais
alto no céu; esse é o dia mais longo e a noite
mais curta do ano) no Hemisfério Norte, era
a época do ano em que diversos povos —
celtas, bretões, bascos, sardenhos, egípcios,
persas, sírios, sumérios — faziam rituais de
invocação de fertilidade para estimular o
crescimento da vegetação, promover a
fartura nas colheitas e trazer chuvas.16
Na verdade, os rituais de fertilidade
associados ao cultivo das plantas, incluindo
todo o ciclo agrícola — a preparação do
terreno, o plantio e a colheita —, sempre
foram praticados pelas mais diversas
sociedades e culturas em todos os tempos.
Das tradições estudadas por Frazer
destacam-se os ritos celebrados nas terras
do Mediterrâneo oriental (Egito, Síria,
Grécia, Babilônia) com o objetivo de regular as estações do ano, especialmente a
passagem da primavera para o verão, que
sela a superação do inverno.
A Coleta e o Cultivo
O ciclo anual da natureza prevê a morte
e o ressurgimento da vegetação. Todos os
anos as plantas passam por um processo de
transformação: no outono, as folhas mudam
de cor, tornando-se amareladas e murchas;
no inverno, elas caem e deixam a planta sem
folhas até que chega a primavera. O sol
então começa a brilhar com mais intensidade e a vegetação renasce, brota e floresce para oferecer as sementes do novo
ciclo, cujos frutos estarão maduros no verão.
No Hemisfério Norte, as quatro estações
do ano estão demarcadas nitidamente; na
região equatorial e nas tropicais do Hemisfério Sul, o movimento cíclico alterna os períodos de chuva e de estiagem, mas ainda assim
o ciclo vegetativo pode ser observado da
mesma maneira — alteração na coloração e
perda das folhas, seca e renascimento.
O que ocorre com a natureza é algo
semelhante à saga de Tamuz e Adônis, que
submergem do mundo subterrâneo e
retornam todos os anos para viver com
suas amadas Istar e Afrodite e com elas
fertilizar a vida.
As lendas de Tamuz e Adônis
“Na literatura religiosa da Babilônia,
Tamuz surge como o jovem esposo ou
amante de Istar, a grande deusa-mãe, a
personificação das energias reprodutivas da17
natureza. [...] Tamuz morria anualmente [...]
e todos os anos sua amante divina viajava,
em busca dele, ‘para a terra de onde não
há retorno, para a mansão das trevas, onde
o pó se acumula na porta e no ferrolho’. Durante sua ausência, a paixão do amor deixava de atuar: homens e animais esqueciam
de reproduzir-se, toda a vida ficava amea-
çada de extinção. Tão intimamente ligadas
à deusa estavam as funções sexuais de todo
o reino animal que, sem a sua presença, elas
não podiam ser realizadas. [...] A inflexível
rainha das regiões infernais, Alatu ou EreshKigal, permitia, não sem relutância, que Istar
fosse aspergida com a água da vida e
partisse, provavelmente em companhia do
amante Tamuz, para o mundo superior e que,
com esse retorno, toda a natureza revivesse.”
“Refletida no espelho da mitologia
grega a divindade oriental, Adônis surge
como um belo jovem, amado de Afrodite. Em
sua infância, a deusa o ocultou numa arca,
que confiou a Perséfone, rainha dos infernos. Mas, quando Perséfone abriu a arca e
viu a beleza da criança, recusou-se a
devolvê-la a Afrodite [...]. A disputa entre as
deusas do amor e da morte foi resolvida por
Zeus, que determinou que Adônis devia viver
parte do ano com Perséfone no mundo inferior, e com Afrodite, no mundo superior ou
na terra, durante a outra parte. [...] a luta
entre Afrodite e Perséfone pela posse de
Adônis reflete claramente a luta entre Istar
e Alatu na terra dos mortos, ao passo que a
decisão de Zeus de que Adônis devia passar
parte do ano no mundo inferior e parte do
ano no mundo superior é apenas uma versão
grega do desaparecimento e reaparecimento anual de Tamuz.”
(Frazer, 1978, p. 123)
Com o tempo os homens, além de
desfrutar o ciclo da natureza coletando seus
frutos, passaram a domesticar animais e a
cultivar plantas para sua alimentação. O
cultivo de raízes e legumes, juntamente com18
a caça, a pesca e a coleta, representa o
conjunto das atividades produtivas que
tornaram possível a adaptação da espécie
humana em todas as regiões do planeta,
mas foi a produção de grãos e a domesticação de animais que ampliaram essa
capacidade adaptativa.
Imitando o ciclo anual da natureza, o
homem descobriu as sementes que podia
guardar a cada colheita e replantar no ano
seguinte, quando seriam fertilizadas pela
incidência solar e irrigadas pelas chuvas. As
sementes dos grãos germinam e crescem. O
homem colhe, debulha, seca e tritura os
grãos para que eles se tornem seu alimento.
Rituais de Fertilidade
Com o cultivo da terra pelo homem,
surgiram os rituais de invocação de fertilidade para ajudar o crescimento das plantas e proporcionar uma boa colheita.
Na Grécia, por exemplo, Adônis era
considerado o espírito dos cereais. Entre os
rituais mais expressivos que o homenageavam estão os jardins de Adônis: na primavera, durante oito dias, as mulheres plantavam
em vasos ou cestos sementes de trigo, cevada,
alface, funcho e vários tipos de flores. Com o
calor do sol, as plantas cresciam rapidamente
e, como não tinham raízes, murchavam ao
final dos oito dias, quando então os pequenos
jardins eram levados, juntamente com as
imagens de Adônis morto, para ser lançados
ao mar ou em outras águas.
Os rituais de fertilidade perduraram
através dos tempos. Na era cristã, mesmo
que fossem considerados pagãos, não era
mais possível acabar com eles. Segundo
Frazer, é por esse motivo que a Igreja
Católica, em vez de condená-los, os adapta
às comemorações do dia de São João, que
teria nascido em 24 de junho, dia do solstício.
O Dia de São João na Sardenha
Conta Frazer que, no início do século XX,
na Sardenha, os jardins de Adônis ainda eram19
plantados na festa do solstício de verão, que
lá tem o nome de festa de São João:
“No final de março ou 1o
de abril, um
jovem da aldeia se apresenta a uma moça,
pede-lhe para ser a sua comare (comadre
ou namorada) e oferece-se para ser o seu
compare. O convite é considerado como
honra pela família da moça e aceito com
satisfação. No fim de maio, a moça faz um
vaso com a casca de um sobreiro, enche-o
de terra e nele semeia um punhado de trigo
e cevada. Como o vaso é colocado ao sol e
regado com freqüência, os grãos brotam
com rapidez e, na véspera do solstício
(véspera de São João, 23 de junho), já está
bem desenvolvido. [...] No dia de São João,
o rapaz e a moça, vestidos com suas melhores roupas, acompanhados por uma
grande comitiva e precedidos de crianças
que correm e brincam, vão em procissão até
uma igreja da aldeia. Ali quebram o vaso,
lançando-o contra a porta do templo.
Sentam-se em seguida em círculo na grama
e comem ovos e verduras ao som da música
de flautas. O vinho é misturado numa taça
servida a todos, que dela vão bebendo,
passando-a adiante. Em seguida dão-se as
mãos e cantam ‘Namorados de São João’
(Compare e comare di San Giovanni) várias
vezes, enquanto as flautas tocam durante
todo o tempo. Quando se cansam de cantar,
levantam-se e dançam alegremente em
círculo até a noite”.
(Frazer, 1978, p. 133)
Outro aspecto que aproxima a festa de
São João às de Adônis e Tamuz é o costume
de tomar banhos no mar, em rios, nascentes
ou no sereno na noite da véspera. Também
perdura, desde os tempos antigos, o costume
de acender fogueiras e tochas, que devem
livrar as plantas e colheitas dos espíritos maus
que podem impedir a fertilidade.2021
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As Comemorações Juninas no Brasil
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